Leitura e análise de texto
Andei sem rumo pela costa, pensando nos meus amigos, todos
desaparecidos, com certeza mortos. O mar transformara-se em túmulo, além de
carrasco. Longe, mar adentro, o navio continuava imóvel, encalhado. Eu estava
molhado, sem água e sem comida. Nos bolsos, apenas uma faca, um cachimbo e um
pouco de tabaco. A noite avizinhava-se. Afastada da praia, encontrei uma
pequena fonte de água doce. Matei a sede. Para enganar a fome, masquei um naco
de fumo. Sem abrigo, sem armas e com medo de feras selvagens, subi numa árvore
para passar a noite. Consegui encaixar o corpo cansado no meio de grossos
galhos, sem perigo de cair durante o sono. Adormeci logo. (p. 23) [...] O
navio, trazido pela tempestade, havia se deslocado para um ponto bem próximo à
praia. Continuava inteiro, sinal de que, se tivéssemos permanecido a bordo,
estaríamos agora todos com vida. (p. 23) [...] Em primeiro lugar salvei os
animais domésticos que viajavam no navio: um cachorro e quatro gatos. (p. 24)
[...] Rapidamente fiz uma revista geral para ver o que podia salvar da carga.
[...] Já havia decidido trazer do navio todas as coisas possíveis de serem
transportadas. Sabia não ter muito tempo: a primeira tempestade faria o barco
em pedaços. (p. 25) [...] Ia para bordo a nado e voltava sempre com uma nova
jangada, aproveitando para salvar assim também o madeirame do navio. Consegui
desse modo valiosas “riquezas” para um náufrago: machados, sacos de pregos,
cordas, pedaços de pano encerado para vela, três pés de cabra, duas barricas
[pequeno recipiente de madeira, destinado a armazenar mercadorias] com balas de
mosquete [antiga arma de fogo, parecida com uma espingarda], sete mosquetes,
mais outra espingarda de atirar chumbo, uma caixa cheia de munições, o barril
de pólvora molhada, roupas, uma rede, colchões e – surpresa! – na quinta ou
sexta viagem, quando já acreditava não haver mais provisões a bordo, encontrei
uma grande reserva de pão, três barris de rum e aguardentes, uma caixa de
açúcar e um tonel [grande recipiente de madeira formado por dois tampos planos
e tábuas encurvadas unidas por aros metálicos] de boa farinha... (p. 25-26)
[...]
Meu futuro não parecia tão bom.... Na verdade, prometia ser
triste, com poucas esperanças de salvação. Sozinho, abandonado numa ilha
deserta, desconhecida e fora das rotas de comércio, não alimentava a menor
perspectiva de sair dali com vida. Já me via velho e cansado, passando fome,
sem forças para nada: morreria aos poucos. Isto se eu não morresse antes,
vítima de alguma tragédia. Muitas vezes deixei-me levar pelo desânimo. Não
foram poucas as lágrimas que salgaram meu rosto. Nessas ocasiões, recriminava e
maldizia a Deus. Como podia Ele arruinar suas criaturas de modo tão mesquinho,
tornando-as miseráveis, deixando-as ao completo abandono? (p. 29) [...] Depois
de dez dias, fiquei com medo de perder a noção do tempo. Improvisei um rústico,
mas eficiente calendário. [...] Todos os dias, riscava no poste um pequeno
traço. De sete em sete dias, fazia um risco maior para indicar o domingo. Para
marcar o final do mês, eu traçava uma linha com o dobro do tamanho. Dessa
forma, podia acompanhar o desenrolar dos dias, conseguindo situar-me no tempo.
Entre tantos objetos, havia trazido do navio tinta, papel e penas para
escrever. E, enquanto a tinta durou, mantive um diário, relatando de forma
resumida os principais fatos acontecidos. (p. 30) [...] A falta de ferramentas
adequadas tornava alguns serviços extremamente demorados. Mas, afinal, para quê
pressa? Eu não tinha todo o tempo do mundo? [...] Também descobri que o homem
pode dominar qualquer profissão que queira... Aos poucos, tratei de deixar mais
confortável o meu jeito de viver. (p. 31) [...] Foi nessa época que fiquei
doente, com febre, e tive alucinações. Vendo a morte muito próxima, fui incapaz
de ordenar minhas ideias e colocá-las com clareza no papel. Hoje sei que esse
período foi um dos piores da minha vida. A febre veio de mansinho. (p. 36)
[...] Num momento de lucidez, entre um ataque e outro de febre, lembrei-me de
que, no Brasil, se usava fumo para curar a malária. E eu tinha, num dos
caixotes, um pedaço de fumo em rolo e algumas folhas ainda não defumadas. Foi a
mão de Deus que me guiou. Buscando o fumo, achei uma Bíblia, guardada no mesmo
lugar. O fumo curou-me a febre: não sabia como usá-lo, por isso tentei diversos
métodos ao mesmo tempo. Masquei folhas verdes, tomei uma infusão de fumo em
corda com rum, aspirei a fumaça de folhas queimadas no fogo. Não sei qual dos
métodos deu resultado: talvez todos juntos. A verdade é que sarei em pouco
tempo. A Bíblia foi um bom remédio para a alma. (p. 37) [...] Sempre quis
conhecer a ilha inteira, ver cada detalhe dos meus domínios. Acreditei que
tinha chegado a hora. Peguei minha arma, uma machadinha, uma quantidade grande
de pólvora e munições, uma porção razoável de comida e pus-me a caminho,
acompanhado de meu cão... (p. 42) [...] Na volta, apanhei um filhote de
papagaio. Os colonos brasileiros costumavam domesticá-los e ensiná-los a falar.
Pensei em seguir-lhes o exemplo. (p. 43) [...]
Foi no início da estação das chuvas. Passando perto da
paliçada [cerca feita com estacas apontadas e fincadas na terra], num canto em
que o rochedo projetava sua sombra, meus olhos fixaram-se em pequenos brotos
germinando. Nunca tinha visto aquelas plantinhas ali. Curioso, aproximei-me e
acreditei estar presenciando um milagre: uma ou duas dúzias de pezinhos de
milho surgiam da terra. Era milho e da melhor espécie, não havia dúvida. (p.
32) [...] Reconhecido, agradeci à Divina Providência por mais esse cuidado. Só
passado algum tempo é que me lembrei de um fato acontecido dias antes.
Precisava de algo para guardar restos de pólvora. Procurando no depósito da
caverna, achei um velho saco de estopa. Pelos vestígios, no passado servira
para armazenar grãos: no seu fundo havia cascas e migalhas de cereais. Para
limpar o saco, sacudi esses restos num canto, perto da cerca: milagrosamente
haviam germinado! (p. 33) [...] Precisava de algo para moer o milho e
transformá-lo em farinha. Sem instrumentos para fazer um pilão de uma pedra,
fiz um de madeira, usando a mesma técnica que os índios brasileiros empregavam
na confecção de suas canoas: queimavam a madeira, escavando-a, a seguir, com a
plaina [ferramenta manual para aplainar, desbastar, facear e alisar madeiras].
[...] Poll, meu papagaio, aprendera a falar e acompanhava-me aonde quer que eu
fosse. Fazia-me bem ouvir outra voz além da minha: pena não ser de algum homem.
(p. 54)
© DEFOE, Daniel. Robinson Crusoé. Adaptação de ZOTZ, Werner.
São Paulo: Scipione, 2010.
Após a leitura do texto, responda às seguintes perguntas:
1. Quais são as primeiras coisas que Robinson Crusoé fez ao
despertar em terra, após o naufrágio?
2. Ao descobrir que o navio, trazido pela tempestade,
encontrava-se próximo à praia e continuava inteiro, Robinson decide ir até ele
e ver o que podia salvar da carga. Que tipo de utensílios e ferramentas ele
recupera do navio e por que os considera valiosas “riquezas” para um náufrago?
3. Descreva as condições em que Robinson se viu, nos
primeiros meses de seu exílio na ilha, e o seu estado de espírito.
4. Alguns comportamentos adotados por Robinson Crusoé não
são relacionados diretamente à satisfação de necessidades básicas como
alimentação, abrigo e descanso. Dentre as atividades citadas na obra, descreva
duas que não se referem propriamente à sobrevivência.
5. Em diversos momentos do texto, Robinson utiliza-se de
conhecimentos adquiridos no Brasil para atingir um objetivo. Você pode citar
alguns exemplos?
6. Originalmente, Robinson era marinheiro e explorador. Não
conhecia muito dos ofícios que viria a desenvolver na ilha. Com base na leitura
do texto, cite o que ele aprendeu a fazer, nos anos em que viveu isolado, tendo
apenas as poucas ferramentas que recuperara do navio e os conhecimentos que
detinha na época (século XVII).
7. Durante os anos em que viveu sozinho na ilha, Robinson
criou diversos animais de estimação, dentre eles um papagaio chamado Poll, ao
qual ensinou a falar. Você poderia explicar por que ele fez isso?
Nenhum comentário:
Postar um comentário